As mudanças Climáticas, as Algas e o Futuro | Opinião
Finalmente, a população humana está alarmada com as mudanças catastróficas do clima causadas pelo aquecimento global. Um relatório recente, do […]
Finalmente, a população humana está alarmada com as mudanças catastróficas do clima causadas pelo aquecimento global. Um relatório recente, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, reforçou a ideia de que as alterações climáticas representam uma ameaça para o planeta, o qual as Nações Unidas denominaram de “Código Vermelho para a Humanidade”. Mas enquanto os líderes mundiais se concentram na redução das emissões de carbono, um elemento crucial está a faltar nesta temática.
Com os delegados reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – ou COP 26 – em Glasgow, neste mês, a redução das emissões de carbono ocupou uma grande parte da agenda. No entanto, para abordar as mudanças climáticas de forma eficaz, não podemos concentrar-nos exclusivamente nas emissões do CO2; precisamos integrar a gestão da água nas nossas ações também. O vapor de água é o gás de efeito estufa mais abundante numa atmosfera mais quente, e essa atmosfera pode reter ainda mais, levando a novos aumentos de temperatura.
Na minha opinião, como biólogo, especialista em ficologia, estou convencido de que as algas podem ser uma arma secreta para combater as mudanças climáticas. À medida que os incêndios alastram na Amazónia, as pessoas agarram-se à frase «A Amazónia é o pulmão da terra». O presidente francês Emmanuel Macron alertou para o facto de «a nossa casa estar a arder»”.
Os 6 a 8 milhões de quilómetros quadrados da floresta Amazónica desempenham um papel vital na remoção do dióxido de carbono do ar. Quanto mais floresta for queimada, menos filtragem natural do ar a Terra terá.
Mas enquanto a Amazónia desempenha um papel vital na absorção global de carbono (e devemos continuar a tentar salvá-la), entre 1994 e 2007, os nossos oceanos absorveram 34 gigatoneladas do carbono por intermédio da ação de algas, vegetação e corais. Noutras palavras, as árvores podem não nos salvar – mas os oceanos, sim!
As algas podem ser utilizadas de várias maneiras para reduzir o carbono na atmosfera. Além de ser a solução mais eficiente para armazenar dióxido de carbono, podem ser facilmente usadas numa variedade imensa de outros produtos ou materiais sustentáveis e comercializáveis, desde o calçado desportivo às alternativas alimentares mais saudáveis, como são exemplo os hambúrgueres vegetarianos.
As algas no sequestro de carbono
As algas, quando usadas em conjunto com fotobiorreatores alimentados por luz solar, são até 400 vezes mais eficientes do que uma árvore na remoção do CO2 atmosférico. Isto significa que, enquanto estamos a aprender a reduzir as emissões de carbono e a alterar os nossos padrões de consumo, podemos começar a fazer grandes reduções do carbono atmosférico existente. Quando usado corretamente, pode capturar o carbono libertado pelos grandes centros urbanos e pela indústria poluidora, sem alterar os padrões atuais de produção e consumo a nível mundial.
As árvores e as algas sequestram dióxido de carbono naturalmente. As árvores “consomem-no” como parte de seu processo fotossintético, “armazenando” o carbono nos seus troncos e raízes e libertando oxigénio para a atmosfera. As algas replicam o mesmo processo, mas “absorvem” o carbono na totalidade do corpo da alga. As algas podem absorver mais dióxido de carbono do que as árvores porque ocupam uma área de superfície de maior dimensão que as árvores (a superfície dos oceanos e de todas as massas de água superficiais), podendo crescer de forma mais rápida e controlada em fotobiorreatores. Estes podem conter grandes quantidades de algas e otimizar o seu ciclo de crescimento (e o sequestro de CO2 também).
As projeções populacionais mostram que precisaremos de aumentar em 70% a produção de alimentos até 2050, de modo a conseguir alimentar a população crescente do planeta. Um relatório recente das Nações Unidas alerta para uma crise alimentar iminente. Os ecossistemas marinhos oferecem oportunidades únicas para a produção de alto rendimento de material proteico: se ao menos pudéssemos transformar as macroalgas, que atualmente vemos como “ervas marinhas”, em muito mais do que isso, obteríamos uma fonte de alimentos de alta qualidade, e em grande quantidade. As macroalgas são muito diversas em termos de morfologia, complexidade da estrutura corporal e tamanho, tornando-as num grupo muito diverso de organismos. As algas marinhas apresentam uma grande variedade de compostos com diferentes propriedades e benefícios para a saúde humana, nomeadamente, minerais (iodo, ferro e cálcio), proteínas (com todos os aminoácidos essenciais), lípidos (ácidos gordos polinsaturados), vitaminas e fibras, que são absolutamente necessários ao metabolismo humano. Como forma de suprimir as necessidades nutricionais de algumas dietas, as macroalgas surgem como alimento natural, silvestre e abundante. As macroalgas marinhas apresentam um alto valor nutricional aliado a um baixo valor calórico, pobre em gordura, com presença de polissacarídeos que se comportam como fibras sem valor calórico. O potencial é excelente, mas as características sensoriais são um obstáculo significativo para grandes aplicações de mercado.
Criar novas receitas com base em algas marinhas é o principal desafio do projeto MENU, projeto coordenado por uma colega do MARE, Universidade de Coimbra, Ana Marta Gonçalves. Neste projeto foram selecionadas algas e ajustadas as suas condições de crescimento para obter novas fontes de alimentos proteicos para produtos de conveniência prontos para o consumo, com um equilíbrio otimizado entre propriedades nutricionais e sensoriais, potencializado ainda mais com as associações funcionais e saudáveis que a sociedade precisa. O trabalho teve como base um conjunto de macroalgas recolhidas na orla costeira, definidas nos trabalhos científicos publicados em 2015, 2016 e 2018, que inspiraram a empresa Ernesto Morgado SA (empresa de arroz do baixo Mondego), e que foram considerados extremamente promissores. As macroalgas marinhas são produzidas e cultivadas em diferentes condições de laboratório e de aquacultura Multitrófica Integrada, pela Startup Lusalgae (Figueira da Foz), e depois feitas as análises nutricionais (proteínas, carboidratos e lipídios), complementadas por análises sensoriais (textura, aroma e sabor). O objetivo é obter refeições / snacks prontos a consumir, com longa vida de prateleira à temperatura ambiente, e adequadas à crescente procura de alimentos saudáveis vegetarianos / veganos.
Qual é o próximo passo?
As algas são uma alternativa cada vez mais viável para muitas das atuais soluções onerosas no combate às alterações climáticas. As empresas da próxima geração reconhecem esta oportunidade e estão a investir agora, mas também é algo que as pessoas comuns podem ter sempre em conta quando procuram reduzir a sua pegada ecológica.
Autor: Jornal da Mealhada
